sexta-feira, 29 de maio de 2009

Memórias de uma docente da década de 90






Motivações intrínsecas e extrínsecas de ser professor.

Escolhi a profissão de professora movida pela vontade de ensinar e acolher. O desejo de estar cercada de meninas e meninos quietos, inquietos, emotivos, peraltas, calados, tímidos, carinhosos... O desejo de ser como algumas das minhas mestras... ( processo de sedução).

Inspirada em Jorge Larrosa: ser professor é o ensinar, é o aprender, é o educar na amizade, na compreensão, na liberdade, observando as diferenças individuais. É uma convocação generosa, carinhosa ao estudo, ao texto, isto é, à leitura.


Na década de 90 e como hoje também, os professores e as escolas estão com muito medo de renovar, inovar, arriscar. A diferença é que hoje reconhecem o medo e sabem que não podem ficar na mesmice e fazem cursos, muitos participam de congressos e não mudam. Os parâmetros curriculares na década de 90 lhes dão uma nova nomenclatura, um pouco de segurança, mas foram pouquíssimas mudanças. Muitos descobrem nesta década o construtivismo, que torna objeto de muito estudo (vira “modismo”). Não há diferença na escola de hoje e a de quinze anos. O excesso de conteúdos inúteis continua. Não reconhecem que o professor e a escola precisam se libertar dos livros didáticos. O professor precisa antes de tudo conhecer e reconhecer a literatura como arte. Precisa ler, ler, ler... A escola precisa ler, o diretor precisa ler, o supervisor precisa ler, o orientador precisa ler, o professor precisa ler, os funcionários precisam ler, os vigilantes precisam ler, o pessoal da cantina precisa ler, os pais precisam ler, os professores acadêmicos precisam ler. A escola precisa parar, se concentrar e passar aos alunos o amor à literatura. Leitura Fruição... A escola precisa dedicar um tempo diário à leitura.
Respirar o silêncio para as produções de leituras.

As faculdades de Educação precisam ensinar aos seus alunos e alunas o amor á boa literatura, numa forma lúdica e prazerosa. Mais produção de leitura leva à mais produção de textos.

“A literatura é feita de fantasia. A escola por ser servil, quer transformar a literatura em instrumento pedagógico, limitado, acanhado, como se o convívio com a fantasia fosse um bem menor.
A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz, mas o que o leitor ultrapassa...”
Bartolomeu Campos Queirós


Vida acadêmica

Minha vida acadêmica foi muito confusa com mudanças e mais mudanças. Trabalhava, estudava... Pouca leitura, pouco aprofundamento. Não tive bons professores... Passei por três faculdades de Filosofia, uma no Rio, onde estudei durante três anos e duas em Salvador, Federal e Católica, dois semestres em cada... Faltou sedução.
Nada lúdico. O lúdico foi no magistério, muito processo de criação e ludicidade. Na academia nada.

AÇÃO PROFISSIONAL

O lúdico sempre esteve presente em minha prática.
O tempo de criação no planejamento das atividades lúdicas me possibilitava viver um sentimento de satisfação repleto de alegria. Foi crescimento tanto para mim como para meus alunos. Muita música, muita contação de histórias, poesias e projetos... A alegria de ensinar e de aprender transbordava e transborda no tempo presente.

Minhas aulas sempre foram repletas de momentos lúdicos. Claro que a cada ano elas foram crescendo mais e mais em valor de conteúdos literários, musicais, com novas descobertas, novas trocas, novas leituras. Fui me apaixonando pela literatura. Comecei a ser rata de livraria...

O livro didático me tolhia. Ficava presa, às vezes, revoltada em dar um conteúdo qnão iria sensibilizar os alunos e alunas, mas estava no livro. Textos que não me apaixonavam e tinham que ser lidos. Como seduzir o outro se não fui afetada? A gramática pura roubava tempo de produção de leitura e produção de texto!

Com o tempo o meu acervo literário foi crescendo, crescendo e crescendo... Descobri a importância da boa literatura na formação de leitores. Comecei a iniciar minhas aulas com contação de histórias. O livro era lido em capítulos no dia a dia. Todas as alunas e alunos chegavam curiosos para o “era uma vez...” A ida à biblioteca foi aumentando, como também o acervo ao meu pedido. Foi um processo de sedução. A poesia foi ainda mais valorizada em minha prática. Uma visita chegava e os alunos declamavam, cantavam... A auto-estima de cada menino e menina crescia, às vezes transbordava.

No final do ano os alunos escreviam uma carta aos alunos que iriam ser da 4ª série no ano seguinte. Eram textos dos ex-alunos e alunas apresentando a nova série para eles. Produziam com muita alegria, motivados e já com um gostinho de saudade. Anexei algumas produções.

Já no início do ano 2000, tive o apoio do departamento de Língua Portuguesa do colégio que era coordenado pela professora mestra, hoje doutora Lícia Freire Beltrão. Era tudo que eu queria... Mergulhei... Tive a fundamentação teórica que precisava e o apoio do departamento. O livro de literatura começou a ter o seu espaço devido em minhas práticas, já agora com a parceria do departamento de Língua Portuguesa

Tive alguns problemas com colegas professoras da mesma série, na década de 90, por trabalhar numa escola com muitos alunos e muitas turmas. As atividades precisavam ser iguais, às vezes, era mal compreendida por dar algo que não estava registrado no planejamento do mês, pois criava e recriava na véspera ao reler a aula e outras vezes na própria aula. As atividades e as aulas tinham que ser iguais para as seis turmas de quarenta e cinco alunos cada.

“Estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las”
Paulo Freire

A paixão por literatura me fez contadora ou contadeira de histórias, há sete anos. Cada dia fico mais apaixonada pela literatura e pela arte de contar histórias.
Se eu tivesse a chave de um baú da educação, colocaria todos os livros maravilhosos que toda criança e todo jovem precisa conhecer, viajar e sonhar.
Fecharia o baú com a certeza de que todas as meninas e todos os meninos serão bons cidadãos, bons profissionais, bons pais; serão sujeitos éticos, justos; terão um vasto conhecimento enciclopédico; serão felizes e saberão lidar com suas perdas e emoções. Quando se sentirem sós, tristes, felizes, amados, não amados terão a companhia de um bom livro.
...
“Certa palavra dorme na sombra /
de um livro raro. Como desencantá-la?
Carlos Drummond de Andrade

Lembrei de uma frase de Ziraldo: Dê a todas as crianças até dez anos só a boa literatura e noções de matemática. Depois comece a ensinar as outras matérias que estão no currículo.
Conclusão: Toda escola deveria estar envolvida em projetos de literatura. Todas as crianças sem exceção deveriam ser afetadas pela boa literatura.


“Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas.”
Carlos Drummond de Andrade

Educador palavra repleta de sentimentos de respeito, amorosidade, sedução embrulhada em papel transparente e picotado de liberdade, amarrada de esperança, salpicada de sonhos.


Mensagem

Seja um educador, uma educadora formando cidadãos, cidadãs com liberdade de criar e vivenciar a sua própria história, respeitando o outro em sua liberdade de ler, ser, dizer e amar.
Com minha reverência
*Regina Campana
Professora e contadora de histórias


*Maria Regina Campana Correia Leite

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