sexta-feira, 29 de maio de 2009

Bordando os fios da minha vida escolar


Recordar dos tempos da escola, como um todo, não é algo saudoso para mim. A escola nunca foi um lugar de diversão, acolhimento, grandes amizades ou uma segunda casa, como para muitos. Para mim a escola era o lugar para o qual eu ia a fim de cumprir obrigações – ler, escrever, “engolir” conteúdos descontextualizados e decorar trechos para copiar na prova. Posso dizer que “cumpri o meu dever”.
Segundo a minha mãe, entrei na escola com quatro anos de idade, em 1983. Chegara a hora do meu irmão mais velho (10 meses de diferença de idade) iniciar a sua vida escolar e eu chorava sentindo sua falta. A fim de minimizar a situação, minha mãe colocou-me na escola. Embora tímida e com pouca idade, eu superei as expectativas de todos. O que deveria ser um ano de brincadeiras foi um ano de alfabetização. Aos quatro anos, eu lia e escrevia como gente grande.
Era uma escola particular, localizada no bairro de Cosme de Farias, Alto Formoso, Bonocô. Escolinha Santana. Era multisseriada, não por concepção pedagógica, mas por falta de espaço físico. Tinha uma enorme e única sala de aula com quadros de giz espalhados pelas paredes. Em frente a cada quadro, grupos da mesma série se juntavam para copiar e fazer as atividades. A professora, Inês Santana Saraiva, dava conta de todos os grupos com a ajuda das suas filhas, que provavelmente cursavam ou já haviam terminado o 2º grau. Kátia e Sheila eram os nomes delas. Minha lembrança não é muito precisa. Recordo apenas de algumas cenas isoladas, como a cena de uma aluna sentada no sofá, chorando, por saber que no dia seguinte teria prova. Lembro também do caminho de casa até a escola. Era torturante, pois no caminho morava uma velha maluca de quem eu morria de medo.
Não sei qual era o método pedagógico aplicado pela escola, mas acredito que era uma escola que utilizava elementos da concepção pedagógica tradicional, pois minha mãe informou-me que livros eram adotados, tinham atividades mimeografadas e no caderno e muitas dessas eram copiadas pela própria professora. Tinham os testes e as provas e o lúdico não se fazia presente. Quando falo que usava apenas elementos da pedagogia tradicional é porque não recordo de a escola aplicar métodos de castigo ou punição para os alunos e a professora não se colocava como superior. A afetividade era algo marcante naquela escola. Minha mãe relatou que em um determinado momento eu me desinteressei pela escola e não queria mais ficar. A professora chorava junto comigo por achar que eu já não gostava mais dela. Acho que a professora Inês foi muito boa para mim. A verdade é que eu já havia absorvido muita coisa e ficar na chamada Alfabetização era desinteressante. O acompanhamento que tive da minha mãe durante esse processo de aprendizagem foi importante. Ela aguçava minha curiosidade e antes mesmo de a professora iniciar uma nova etapa ela já me apresentava coisas novas. Eu sempre correspondia. Fui avançada em séries e com seis anos eu já iniciava a 2ª série fundamental. Tive os cuidados da primeira escola até essa fase, pois tive que mudar de bairro e consequentemente de escola.
Ao chegar à nova escola, Centro Educacional Lílian Caline, em 1986, com as aulas já iniciadas, fiquei assustada. Muitos alunos nos corredores, escola grande, ambiente “agressivo” e crianças agitadas. Não houve acolhimento ou qualquer preocupação com a minha chegada. Eu só tinha sete anos, completaria oito apenas no meio do ano. Os colegas de sala tinham nove anos completos ou a completar. 3ª Série. Eu não compreendia os assuntos, não acompanhava o desenvolvimento do grupo e não tinha concentração. A minha sensação era de que a qualquer momento eu me perderia em meio à multidão. Não era menos inteligente que os demais, mas não conseguia entender o que eram as tais palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Juan Casassus, filósofo e sociólogo especialista em Educação, afirma que “para transmitir o gosto pelo conhecimento, um professor precisa dominar os conteúdos de sua disciplina - e também saber acolher as turmas, identificando e trabalhando interesses e sentimentos” (Revista Nova Escola, 2008). Os meus sentimentos forem desprezados.
Tenho apenas lembrança de duas imagens na sala de aula nesse período. Em uma, todos os alunos sentados ordeiramente com uma folha de papel sobre a mesa virada para baixo. Era a tal prova! A outra imagem é a da aula das tais palavras terminadas em “xítonas”. Para mim, a palavra janela era paroxítona, e realmente é. Mas todos riram quando falei, pois a mesma palavra já havia sido dita por um colega, Cláudio. Foi uma situação constrangedora. E a professora que deveria ser a defensora, juntou-se à classe, só que com um riso mais discreto. Senti-me ainda mais desprotegida. Eu tinha medo daquela escola.
Nesse mesmo período ocorreu uma mudança na estrutura da minha família e isso com certeza influenciou a minha aprendizagem, mas só hoje tenho essa consciência. Sei que não poderia estar mentalmente disposta a absorver novos conhecimentos uma vez que não tinha nem mesmo internalizado uma nova realidade. A situação financeira já não permitia efetuar os pagamentos das mensalidades escolares em dia. Não lembro bem a cena, mas sei que fui impedida de fazer prova por não estar com a mensalidade paga. Se não me engano, alguns alunos levavam o carnê de pagamento nos dias de prova para conferência na secretaria. Saia então a lista com os nomes dos escolhidos a passar por constrangimento diante de colegas e professores. A secretária ia de sala em sala para fazer a “chamada”. Cheguei a descer do ônibus escolar juntamente com meu irmão por falta de pagamento. Voltamos para casa e fomos assistir aos desenhos animados na TV.
Foi um ano conturbado. Alguns dias em sala de aula e outros em casa. Próximo do término do ano letivo, fui informada por um colega vizinho, que estudava na mesma escola, que eu tinha ido para a recuperação. Recuperar o quê? As palavras “xítonas”? Não valeria a pena. Não poderia recuperar a antiga professora, a antiga escola, nem as outras perdas que para mim eram significativas. Faltou um olhar individualizado da escola para mim enquanto aluna. Eu era apenas mais um cliente para quem a escola prestava serviço. Sendo que o serviço era diferenciado de acordo com a condição financeira. Hoje percebo que a escola se tornou objeto de mercado, e a lógica do capitalismo, ensejada na visão do aluno como cliente e não como ser, subverteu a ideologia de ensino de qualidade para a promoção da formação do homem. A educação tem se transformado em produtos vendáveis. Venderam-me um produto e quando eu já não podia mais pagar por ele o mesmo foi-me tirado.
No ano seguinte tive que repetir a 3ª série. Já superada a fase conturbada, consegui concentrar-me nos estudos. O interessante é que mais uma vez eu estava em uma sala multisseriada por falta de espaço físico, mas não era tão organizada como a primeira. Foram assim as minhas 3ª e 4ª séries. Para mim tudo era fácil. Senti-me culpada por não ter compreendido as tais palavras “xítonas” no ano anterior. Como era fácil e medíocre aquele assunto! Foram dois anos tranqüilos. Conteúdos acompanhados nos livros didáticos, tarefa para casa nos livros, caderno, mimeografada, cópias de textos, tabuada, testes e provas. Mais um ano cumprido.
Durante essa fase a ludicidade nunca fez parte da minha vida escolar. Acho que não só pela falta de espaço das escolas, mas também porque a ludicidade não era encarada como algo de muita importância para o desenvolvimento do aluno. Hoje muitos já estão conscientes de que, se desejamos formar seres criativos, críticos e aptos para tomar decisões, um dos requisitos é o enriquecimento do cotidiano infantil com a inserção de contos, lendas, brinquedos e brincadeiras. Segundo Tizuko Morchida Kishimoto (2000) “o brincar é excelente recurso para observação dos interesses e ações da criança. Pelo brincar, a criança evidencia saberes e interesses, além de propiciar condições para aprendizagens incidentais”. Brincar é importante para a criança expressar significações simbólicas. Pelo brincar a criança aprende a simbolizar. A criança viaja no faz-de-conta, assumindo o papel de herói, professor, astronauta e todos os outros que a imaginação mandar. (Nova Escola, 2008)
A falta de espaço, brincadeiras e ludicidade na escola não comprometeram o meu desenvolvimento, pois tive tudo isso na minha infância, em casa, com meus amigos, meus irmãos e principalmente com a minha mãe. Sei que nem todas as crianças tiveram ou têm a compensação que eu tive. Lembro até hoje das historinhas contadas pela minha mãe: “No meio de uma floresta haviam dois bondosos irmãozinhos – João e Maria”. Até hoje sei cantar as músicas que acompanhavam as histórias. Minha mãe fazia-se bruxa, costurava roupas para minhas bonecas (foram poucas, pois não era meu brinquedo preferido), fazia lanches para piqueniques e ensinou-me as muitas brincadeiras tradicionais que depois compartilhei com minhas amigas. Brinquei de roda, pedra de capitão, fura pé, bolinha de gude, chicotinho queimado, cacique, seu mestre mandou, pega-pega, bate lata, mímica, rodei bambolê, pulei corda, elástico, joguei sete pedras, bandeirantes, baleado, vôlei e palitinho. Tudo isso com a cumplicidade da minha mãe que não só orientava essas brincadeiras, mas também participava de algumas delas. Nos tempos atuais, pais não têm tempo para ensinar seus filhos e muitos desconhecem as brincadeiras antigas e tradicionais. Vivi a ludicidade, por isso não me sinto prejudicada por não tê-la tido na escola, mas reconheço que as escolas precisam dar aos seus alunos algo mais do que conteúdos. Precisam fazer o aprender interessante e a ludicidade tem papel fundamental nisso. Brincar não é inato. Toda criança precisa aprender a brincar para se expressar e se comunicar. Cabe à escola uma parcela de responsabilidade nisso.
Aos dez anos, em 1989, ocorreu mais uma mudança de escola. Nessa nova escola cursei o antigo Ginásio. Escola pública. Clériston Andrade, no bairro de São Marcos. Local que me mostrou uma realidade que eu não conhecia. Até então eu tinha convivido com a agitação de alguns colegas de escola, mas nada comparado ao que vi nesta. Alunos extremamente agressivos, mal educados, descomprometidos e a maioria de condição social desprivilegiada. Professores indiferentes. Alguns não enxergavam ou fugiam da realidade. Lembro que no primeiro dia de aula a professora de Matemática estabeleceu algumas regras, exigências para poder dar aula. Fita, laço, tiara, prendedor de cabelo não poderiam ser de uma cor diferente da cor da farda. Chinelo, nem pensar. E o tênis tinha que ser preto ou branco ou azul. Não conseguia achar que aqueles alunos conseguiriam cumprir suas exigências. Não cumpriram mesmo. Não por rebeldia, mas porque a condição de vida daquelas pessoas não permitia que as cumprissem.
As turmas das quais eu fiz parte foram as melhores, as mais tranqüilas. Sempre fui da turma A. Geralmente era a turma dos alunos com menor idade. Eram mais comprometidos, mais educados e tinham as melhores notas. Estudamos juntos durante as quatro séries ginasiais. Recebíamos um tratamento diferenciado por parte dos professores. Com a nossa turma os professores conversavam e paravam nos corredores para dar atenção. Das outras turmas eles tinham queixas.
Algumas questões sociais ficaram evidentes durante esse período. Eu e meu irmão fomos vítimas de preconceito. Morávamos em prédio, por isso não tínhamos o direito de estudar em escola pública. Algumas vezes meu irmão teve que pular o muro para sair da escola ou saia no horário do intervalo e não voltava, para evitar ser pego pela “galera do mal”. Minha mãe por vezes foi à escola para tentar mudá-lo de turma ou de turno, mas não houve sucesso. Eu sentia medo e não queria ficar na escola. Ficava preocupada sem saber se meu irmão tinha conseguido chegar em casa.
Tinha uma colega de sala muito legal, alegre, risonha e comunicativa. Maria* era o seu nome. Alguns não gostavam dela. Ela tinha a cor da pele branca e também morava nos prédios. Posso dizer que ela era a única aluna branca com cabelos loiros em toda a escola. Tinha outra aluna, a Joana*que era negra e tinha Maria como uma grande rival. Tenho certeza que se tratava de uma questão racial. O modo como Joana se dirigia à Maria, como a tratava e as piadas deixavam isso evidente. O interessante é que Maria não era arrogante, prepotente, esnobe ou “metida”. Era apenas branca e falante. Joana por vezes derramou propositalmente lanche na carteira de Maria e dizia que era para ela aprender a não de ter nojo da comida da escola. Isso porque Maria, na maioria das vezes, tinha dinheiro para comprar lanche. Os alunos que compravam lanche ficavam visados. Eram vistos como os metidinhos que não comiam o lanche do colégio. Lembro da imagem dos pratos de macarrão com sardinha que eram servidos e dos muitos alunos que deixavam a escola logo após o horário do lanche. A comida era o atrativo para muitos deles. Vi também a violência de perto - homem armado esperando aluno na porta da escola e discussões entre alunos que resultavam em pancadarias.
Na sala de aula, os professores até que se esforçavam em transmitir o mínimo de conhecimento aos alunos. Na 5ª série as professoras de Arte e Língua Portuguesa adotaram livros o trabalharam com os mesmos até o final do ano. Alguns alunos da minha sala não puderam comprá-los, mas mesmo assim acho que foi o ano mais produtivo em termos de conteúdo. De modo geral, as aulas das demais disciplinas eram expositivas e copiávamos apontamentos e questionários no caderno. Avaliando o que aprendi nessa escola, digo que a 5ª série foi a única série realmente proveitosa. O livro de história foi o único que recebi em todos os anos. Os demais não chegavam para todos. Alguns problemas foram surgindo nos *Nomes reais foram preservados
anos seguintes: desinteresse dos alunos e falta de professor e de material adequado para trabalhar. Tinha sala que nem possuía quadro negro. Em outras, o quadro ficava apoiado em cadeiras. Os alunos interessados carregavam o quadro de uma sala para outra para o professor
dar aula. Por muitas vezes a vice diretora recolheu dinheiro dos alunos para comprar papel a fim de mimeografar as avaliações. Os alunos que não queriam copiar a prova do quadro e que podiam, contribuíam. As cadeiras eram poucas e quem chegava um pouco mais tarde ficava sem ter onde sentar e na hora do intervalo quem tinha cadeira para sentar não podia sair da sala, pois corria o risco de não encontrá-la ao voltar. Teve um ano que a escola começou a ser reformada, mas a obra não foi concluída a tempo de iniciar as aulas segundo o calendário do ano letivo. Começamos as aulas com atraso e nos deparamos com outro problema – não tinha cadeira. Estudamos durante esse ano fazendo rodízio. Uma semana de aula para cada série. O rodízio só terminou bem depois do início do segundo semestre. Acredito que todas essas coisas desmotivavam os professores e até aqueles alunos interessados.
Aulas de Educação Física só tinham valor para os meninos, pois eram nessas aulas que eles tinham a oportunidade de jogar bola em um campo de futebol. As aulas eram no turno oposto e isso me deixava ainda mais angustiada, pois tinha que estar na escola nos dois turnos. Mas isso só foi durante a 5ª série. Participei de todas as aulas - dar a volta no campo, correr e fazer alguns exercícios de movimento do corpo. Acho que algumas vezes tivemos jogos de baleado. No final do ano letivo todos os alunos que deixaram de fazer aulas de Educação Física foram para a recuperação que foi concluída em duas semanas ou menos. Nos anos seguintes compus o grupo dos alunos em recuperação. Era melhor do que passar todo o ano visitando a escola nos dois turnos para fazer Educação Física, que tinha como objetivo apenas cumprir a carga horária da grade curricular.
Não posso atribuir o conhecimento que adquiri a esse período escolar. Só me dei conta do fracasso do ensino público quando fui fazer um cursinho de revisão de Língua Portuguesa e Matemática a fim de fazer a prova do CEFET, antiga ETFBA. Era revisão para todos aqueles alunos oriundos das escolas particulares. Para mim, aluna de escola pública, era tudo novidade. A cada assunto revisado eu ficava ainda mais perdida. Fiquei revoltada com a escola que eu estudava. Achei injusto não saber, não conhecer os assuntos dados. Não era minha culpa. Se eu não sabia é porque não fui ensinada.
Sei que a mudança na estrutura pedagógica ao longo dos anos contribuiu para que a escola privada se sobressaísse à escola pública. As reformas propostas só contribuíram para maior elitização do ensino. A ênfase dada à qualidade e a exigência de escolas aparelhadas e professores altamente qualificados colocaram a escola pública em condição inferiorizada. Fiquei indignada com a decadência do ensino público daquela escola. Concluí que quanto mais periférica fosse a escola, menos se ensinava, pois tinha uma amiga que estudava no Serra Valle, na Pituba e o ensino não era medíocre como o da escola que eu estudava. O público era diferente. Era como se a escola e professores oferecessem apenas o que achavam que o público merecia ou poderia absorver. Eu me senti vítima. Estava na “platéia errada”.
Concluí a 8ª série e para mim foi um alívio deixar aquela escola, mas temia a nova jornada. Era muito difícil encontrar vaga em escola pública, não sabia onde iria parar, mas com o chamado QI (Quem Indique), consegui uma vaga no Colégio Estadual Luiz Viana, em Brotas. Como eu tinha preferência em estudar no turno matutino, só me restou cursar o Magistério. Era outra realidade de escola pública. O alunado era diferente do alunado da escola anterior. Alunos na maioria educados, comprometidos, responsáveis com os estudos, gostavam da escola. Não via paredes pichadas e cadeiras quebradas. Havia um controle de entrada e saída dos alunos. Os alunos que chegavam atrasados no primeiro horário eram impedidos de entrar na sala. As inspetoras fiscalizavam os alunos no horário de intervalo e tomavam as carteiras de cigarro que tivessem. Era proibido fumar dentro da escola. No horário do intervalo via alunos em rodinha de violão tocando MPB e rock nacional. Algumas vezes compus o grupo. O clima era de escola.
No Colégio Luiz Viana tive bons professores. Destacaria a professora Maria das Neves. Excelente professora de Língua Portuguesa e Literatura. Com ela aprendi a valorizar a literatura. Ficava impressionada em vê-la falando das escolas literárias sem precisar do auxílio de um livro. Citava os autores como se fossem seus amigos íntimos. Ela era muito exigente e eu vibrei, por ter sido a única aluna das muitas turmas do 2° ano, a acertar uma questão dissertativa da sua prova. Pela primeira vez li os romances brasileiros com satisfação. No ano anterior eu tinha lido alguns, mas a professora não era Maria das Neves.
No curso de Magistério algumas disciplinas eram voltadas para metodologia de ensino e os professores se mostravam resistentes à teoria construtivista. Apoiavam o método tradicional. Acho que eles ainda não entendiam a proposta. Tinham um conceito equivocado sobre a aplicação da mesma no ensino, principalmente no ensino infantil. A idéia era de que o aluno podia fazer tudo o que quisesse. Tive a oportunidade de trabalhar posteriormente com Educação Infantil em uma escola construtivista e pude perceber que não era bem assim. Vi que se tratava de uma educação que tinha o aluno como centro do processo de aprendizagem, que o aprender tinha que ser prazeroso e que cada aluno tinha o seu ritmo. Era importante aprender a aprender. Foi uma excelente experiência.
Durante o curso de Magistério tínhamos o apoio da escola, contávamos com a supervisão dos professores e esclarecíamos as dúvidas que iam surgindo. Mas meu estágio no 2º ano foi um terror. Contava os dias para que acabasse. Foi na Escola Municipal Joir Brasileiro que ficava dentro de um conjunto habitacional no final de linha de Brotas. Era uma turma de 1ª série que não conhecia uma só letra do alfabeto. Nos dias de observação pude ver que o trabalho da professora se resumia a colocar no quadro contas de somar e subtrair, não importando se os alunos sabiam fazer ou não, palavras soltas para separar as sílabas e cópia de textos. Alguns alunos tinham até a letrinha bonitinha, mas não sabiam ler uma única palavra que escreviam. Enquanto os alunos faziam as “atividades”, a professora batia papo na sala da diretora. Os alunos não tinham recreio por causa da agressividade. Perguntava-me o que seria daquelas crianças. Vi se repetindo o fracasso do ensino público que tinha vivenciado como aluna durante o ginásio. A professora dizia que não adiantava fazer esforço porque eram crianças que só iam para a escola para comer. Eram na maioria moradores dos bairros Saramandaia e Polêmica.
No 3° ano tive a oportunidade de estagiar em outra escola. Escola Syd Porto Brandão. Era pequena e a associação de moradores é que abrigava as salas de aula. Era uma turma de 3ª série. A professora era mal educada. Gritava muito com os alunos, mas acho que foi a fórmula que encontrou para manter a disciplina. No caso dela funcionava. A turma era uma 3ª série de verdade. Os alunos compreendiam o conteúdo, os assuntos eram trabalhados e existia um plano de curso que era seguido. Esse estágio minimizou meu trauma como professora e mostrou-me que o ensino público poderia ter qualidade, mas mesmo assim não tinha nenhuma intenção de ir para a sala de aula após concluir o Magistério. Só conseguia enxergar o cenário das coisas negativas que vivenciei enquanto aluna e estagiária.
Posso dizer que das vivas lembranças que tenho do tempo de escola, o período que estudei no Colégio Luiz Viana, de 1993 a 1995, foi o qual me senti aluna. Não me incomodava ter que acordar cedo, não retardava o meu horário, pois sabia que todos os dias às 7: 20h o professor estaria na sala. Gostava do barulho e da agitação das quadras. Bolas de um lado para o outro e alunos gritando durante os jogos de vôlei. Lembro da biblioteca cercada de alunos em silêncio enquanto descobriam os livros. Foi um bom período, mas não criei laços. Acredito que tenha sido pelo fato de nesse mesmo período ter passado pelo estágio tão conturbado. Não consigo dissociá-los.
Nunca tive grande afeição pela escola, conforme mencionado no início. Acho que a escola, de modo geral, foi decepcionante para mim, mas isso não significa que eu não tenha afeição pelo estudo. Gosto muito de ler e leio coisas diversas, desde o jornal que traz notícias do cotidiano até o livro de psicanálise. Amo literatura infantil e Távola. Hoje, cursando Pedagogia ainda não consegui me encontrar. Estou perdida. O curso ainda não atendeu minhas expectativas. Não me proporcionou encantamento. Acho que em algumas disciplinas os conteúdos foram superficiais. Senti-me algumas vezes como se estivesse na aula vaga, como numa das escolas públicas que estudei, por falta de professor. Desta vez, não que o professor não estivesse na sala, mas não aguçou a minha curiosidade e nem despertou o meu interesse. Ainda não fui seduzida pelo curso. Acho que alguns nós ainda estão bem atados. Espero que gradativamente eu possa desatá-los para iniciar um novo bordado.

Rosana Bernardo Gutierrez

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