sexta-feira, 29 de maio de 2009

Retrocesso a formação escolar!


Tenho vaga lembrança da minha infância. Recordo - me vagamente das brincadeiras, do amor platônico, das notas baixas, das lições de tabuada, da queda no pátio da escola, das apresentações de teatro, das festas juninas e natalinas entre outros. São essas lembranças que me fazem retroceder para a minha infância na escola e me fazem refletir o quanto é importante essa fase para o desenvolvimento da criança.
A escola por ser responsável em ampliar e diversificar nossas visões e interpretações sobre o mundo e da vida como um todo, utiliza diversos recursos para chegarmos a essas interpretações. O meu processo de aprendizagem não foi adequado para o desenvolvimento cognitivo de uma criança, já que, as escolas freqüentadas não possuíam metodologias que me envolvessem na concentração de uma leitura. Por não ter um acompanhamento escolar e familiar, não me tornei uma discente comprometida com os estudos, a preguiça e a falta de estímulo contribuíram.

O retrocesso a minha vida escolar inicia-se com a educação infantil na escola Trem da Alegria, localizava-se no bairro Caixa D’Água em Salvador. Recordo-me do ambiente escolar – casa pequena com a fachada azul e branca, salas pequenas e com seus móveis pequeninos, parquinho colorido... Lembro-me da professora Magda que me acompanhou nos três anos da pré-escola, não esquecerei daquela professora robusta, baixinha e muito amável. Em relação à metodologia adotada pela professora e pela escola não me recordo, mas lembro de duais atividades que eram propostas, o decalque da minha mão e da moeda – eu adorava ver a moeda surgir após o rabisco do lápis de cera na folha branca. Nesse período a relação família-escola foi muito boa, não haviam queixas sobre o meu comportamento, somente elogios no meu diário escolar, havia minha participação nas atividades promovidas pela escola e no final do ano tirávamos fotos para o anuário.

Ao concluir a pré-escola, iniciou-se uma turbulência na minha vida escolar. No ensino fundamental I e II, passei por diversas escolas sendo duais da rede pública e as demais da rede privada. Devido a dificuldades financeiras minha mãe não pode dar continuidade aos meus estudos na rede privada de ensino, por isso fui estudar no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, localizado no bairro Pau Miúdo em Salvador. Nessa escola não tive uma alfabetização satisfatória. Recordo-me que as salas eram cheias e a professora não tinha domínio de classe, esse e outros fatores contribuíram no meu analfabetismo.
Por ironia, no final do ano tive festa de formatura sem saber ler e escrever. Como foi possível? E sua mãe não acompanhou o seu aprendizado? Essas são perguntas que eu não saberei responder, não por não ter curiosidade em saber, mas por preferir não relembrar a briga judicial dos meus pais.

Minha mãe ao se deparar com a minha situação decidiu me matricular novamente em uma escola particular, a qual ela fornecia lanche para a cantina, era o Colégio Ruy Barbosa, localizado no bairro Caixa D’Água. Finalmente nessa escola fui alfabetizada. A professora Rosa, apelidada de Mortiça do filme A Família Adams – devido à semelhança – nos ensinava com muita paciência o sistema numérico e o alfabeto. Lembro-me das histórias dos Irmãos Grim – Cinderela, Rapunzel, João e Maria – contados por ela e dando ênfase a bruxa malvada. Nós adorávamos a interpretação dela.
Através da literatura infantil, apresentada pela escola, pude notar o quanto a literatura é importante no desenvolvimento da criança.

A escola é um espaço privilegiado para se desenvolver o gosto pela Literatura Infantil. Aquela tem a função específica de proporcionar este encontro entre o livro e a criança de maneira que esta possa utilizar-se da Literatura para a compreensão de si, das coisas que a cercam e das relações entre ambas. (VALDRICH, publicado em 22/07/2002)

No ano seguinte fui transferida para a escola Crescimento, localizada no bairro do Pau Miúdo. Nessa escola cursei a minha segunda série – não cursei a primeira porque no meu histórico escolar constava que a minha primeira série havia sido concluída no Colégio Ruy Barbosa e não a alfabetização, que por sua vez constava concluída no Centro Educacional Carneiro Ribeiro.
A escola possuía uma boa estrutura com salas amplas, biblioteca, sala de vídeo, aulas de inglês, espaço recreativo com brinquedos pedagógicos e ecológicos. Não tive muita dificuldade com as matérias – exceto matemática –, pois a professora Rita utilizava métodos atrativos nas suas aulas, como ábacos, globos, jogos (tradicionais, educativos, faz-de-contas, construção), vídeos entre outros. Sempre fazia questionamentos e correlacionava os conteúdos com o nosso cotidiano, além de nos proporcionar um ambiente de respostas espontâneas. Por algumas características da metodologia de ensino adotada pela professora e pela escola, correlaciono com os pensamentos de John Dewey ao defender a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças. “O aprendizado se dá quando compartilhamos experiências, e isso só é possível num ambiente democrático, onde não haja barreiras ao intercâmbio de pensamento” (DEWEY)
Através da escola Crescimento, pude perceber o quanto são importantes atividades lúdicas e atrativas para aprendizagem das crianças, pois matérias de difícil aceitação, como a matemática, podem ser transformadas em prazer ao estudá-las. Os jogos são parceiros nesse processo. Segundo Jonathas de Paula Chaguri[1], os jogos e brincadeiras são excelentes oportunidades de mediação entre o prazer e o conhecimento historicamente constituído, já que o lúdico é eminentemente cultural.

Não foi possível continuar na escola Crescimento porque eu e minha família (minha mãe e minha avó) nos mudamos do bairro de Caixa D’Água para morar no bairro da Liberdade. Minha mãe mais uma vez saiu em busca de uma nova escola e por recomendações de vizinhos me matriculou no Instituo Norma Rocha (INR), também localizado no bairro da Liberdade. Nessa instituição estudei da terceira a quinta série .
O INR tinha uma estrutura bem diferente das anteriores: uma casa com fachada antiga, os seus cômodos foram transformados em salas de aula, direção e até cantina, claro que houveram ampliações para a quantidade de turmas, apesar da pouca estrutura.
Recordo-me do dia que cheguei, achei tão feia a escola, mas fui mudando de idéia ao conhecer os colegas. Já da professora Jussara, não tenho uma boa recordação – ela foi a minha professora na terceira e quarta série. O seu método – acredito – baseava-se na teoria behaviorista defendida pelo psicólogo norte-americano Skinner. Todos os dias haviam sabatinas de leitura e tabuada, aqueles que respondiam corretamente eram premiados e os que não conseguiam eram punidos e forçados a repetição, ou seja, estávamos sujeitos ao estímulo-resposta behaviorista.
Como haviam as sabatinas, nós tínhamos que estudar antecipadamente, entretanto comigo era diferente, eu não estudava, não me importava. Minha mãe não tinha tempo para verificar se eu tinha feito as tarefas, então eu levava do meu jeitinho no dia seguinte. A minha estratégia era com a matemática, eu anotava a tabuada nas palmas das mãos e quando era a minha vez, ela perguntava e eu fingia que contava nos dedos, mas na verdade eu estava olhando as minhas anotações. Assim, na terceira e quarta séria eu obtinha minha nota sem me preocupar em estudar para o dia seguinte, sem saber que estava me prejudicando. Entretanto, a mentira veio ser descoberta quando eu estava na quarta série, por meu próprio desleixo, descuidei de esconder as minhas mãos, então à professora me perguntou o que era aquilo, em voz alta, na frente de todos os meus colegas, naquele momento me senti humilhada, entrei em prantos. Ela chegou a me levar para a sala da quinta série e me expôs para todos os outros colegas e professores. Fiquei com muita raiva, essa não foi uma postura adequada para uma porfessora, apesar do meu erro sei que poderia ser diferente. Não me recordo se contei para a minha mãe, mas mesmo que se tivesse contado ela não discutiria na escola.

São histórias assim, que me fazem refletir o quanto à famila é importante no processo de aprendizagem da criança. Sem uma boa estrutura familiar as crianças tem dificuldades de se desenvolverem como indivíduos críticos/reflexivos. Carlos Alberto de Souza Cabello[2] afirma que antes de incriminar ou descriminar um aluno no processo de aprendizagem é necessário rever ações de todos os envolvidos; pais, mãe, professores, a família como um todo e a partir destas reflexões entender as razões e dificuldades do não aprendizado.

No ano 2000, mais uma vez fui transferida de escola devido à mudança de residência para o bairro da Ribeira. Conclui a sexta e a sétima série no Colégio Estadual Paulo Américo de Oliveira (CEPA), localizada no bairro do Bomfim. No CEPA percebi o quanto a educação pública se encontra deteriorada. Não haviam professores e os que tinham alguns não eram compromissados com a educação. Vários problemas são facilmente encontrados, desde a sua estrutura física até o seu corpo discente, um exemplo muito comum nas escolas públicas é a falta de respeito com a carga horária das aulas, já que, os professores não comparecem nas escolas ou terminam suas aulas antes do tempo. A falta de comprometimento não pode ser justificada pelas péssimas condições salariais ou pelo mau comportamento dos alunos, acredito que estes fatores contribuem, mas não são decisivos .

(...) Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser o que realmente estou sendo. (FREIRE, 1996, p. 96)


Em 2002, estudei no Colégio São José (CSJ), também localizado no bairro do Bomfim. O CSJ é uma instituição católica, dirigida por freiras e tradicional. Conclui a oitava série com muita dificuldade, pois o ensino era rígido e bem diferente das escolas que eu já havia passado. O corpo docente era de excelência, a estrutura também e as atividades propostas eram atrativas – vistas técnicas em museus, parques ecológicos, empresas de serviços públicos entre outros.
Entretanto, a minha inserção em uma nova realidade foi muito difícil, não pelas dificuldades nas matérias, mas pela discriminação dos próprios colegas de classe em relação a minha origem escolar. A minha transferência causou um choque social porque até então a turma não havia recebido uma estudante oriunda da rede pública de ensino. Com as dificuldades de relacionamento e aprendizagem fui encaminhada para o Serviço de Orientação Escolar (SOE)[3], onde minha mãe teve que comparecer na escola para conversar com uma psicopedagoga sobre o que ocorria comigo. Mas a minha insatisfação continuou, porque os problemas não foram resolvidos. Apesar de toda educação de excelência os alunos não sabiam lidar com as diferenças muito menos tinham noções de respeito, solidariedade, humildade.

A escola é um espaço das diferenças por isso temos que respeitar as diferenças para sermos respeitados, já que, todos nós temos limitações. Cabe aos professores transmitir os direitos e deveres que temos consigo e com os outros para serem evitadas ações como preconceito, discriminação, alienação e até mesmo marginalização.

A partir do ano de 2003, iniciou-se o meu amadurecimento como estudante e como profissional.
O ensino médio foi concluído no Colégio Estadual Deputado Manuel Novaes, localizado no bairro do Canela. O Manuca – apelidado carinhosamente pelos alunos – foi o responsável pela minha interpretação do que é realmente a vida. Apesar das deficiências na rede pública de educação, obtive oportunidades que me ajudaram na minha vida profissional e pessoal.
No Manuca convivi com muitas pessoas diferentes e sabíamos como respeitar essas diferenças. Tinham alunos que vieram de escolas particulares de grande porte, tinham alunos muitos inteligentes que vieram de escolas públicas, tinham os desinteressado, mas que nós ajudávamos, enfim, foi essa diversidade que me fez enxergar o quanto somos capazes de transformar algo negativo ou deturpado em algo positivo e de grande valor pessoal.

Na escola pública tive a oportunidade de participar em 2004 de um projeto social chamado Programa de Turismo e Responsabilidade Social (PTRS) – atualmente chamado de Trilha Jovem –, criado pelo Instituto de Hospitalidade (IH)[4]. O projeto é destinado na capacitação profissional na área de turismo para estudantes das escolas públicas de Salvador entre 15 a 21 anos. O curso teve duração de 6 meses, os quais não esquecerei as aulas de etiqueta, de inglês, de alimentos e bebidas (A&B), hospedagem e cidadania. No final do curso tivemos formatura no Centro de Convenções em Salvador, com a presença do ex - Ministro do turismo Walfrido dos Mares Guia.
Através da educação não-formal tive o meu primeiro emprego no Hotel Mercure Salvador S/A (Rede Accor Hotel), localizado no Rio Vermelho. Não sei descrever a emoção que tive ao ser contratada num hotel de quarto estrelas e de porte internacional.

A escola pública também foi responsável pela a minha inserção no nível superior. Fui contemplada com o Enem de 2007.2 para cursar Pedagogia no Centro Universitário Jorge Amado.
A escolha do curso não foi difícil, pois ao participar do PTRS conheci as coordenadoras do projeto e pude saber qual a profissão delas. Então, como o projeto me fascinou por ajudar pessoas, procurei obter mais informações sobre a Pedagogia. A cada nova informação que surgia eu me identificava mais principalmente em saber que poderia atuar em espaços escolares e não escolares. A vasta área de atuação fez com que eu formulasse os meus objetivos profissionais, um dos que considero importante é a criação de um projeto para ensinar inglês as crianças, a partir de 5 anos nas escolas públicas de Salvador. Busco com a minha capacitação profissional realizar esse objetivo porque sei o quanto é beneficente para as crianças nessa fase de aprendizado.

No nível superior encontrei professoras que amam a Pedagogia e se sentem realizadas profissionalmente. Tenho as professoras Giulia Fraga e Lynn Alves como referência para a minha formação. Outros professores também contribuem ao transmitir os seus conhecimentos sobre a educação e como podemos transformá-las.
Não basta querer para mudar o mundo. Querer é fundamental, mas não é suficiente. É preciso também saber querer, aprender a saber querer, o que implica aprender a saber lutar politicamente com táticas adequadas e coerentes com os nossos sonhos estratégicos. (FREIRE, 1993, p. 47)

Espero poder transmitir os meus conhecimentos aos meus alunos de forma clara, objetiva e sem interferir negativamente na vida de cada um, pois sei o quanto pode ser desastroso para um aluno não ter um professor com uma capacitação adequada no processo de ensino-aprendizagem.



[1] Graduado em Letras (Português/Inglês/Espanhol) e especialização em Letras e Literatura Infantil pela Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná, especialização em Ensino de Língua Inglesa e em Ensino de Língua Espanhola pela Faculdade Iguaçu. Atualmente é Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá.
[2] É mestrando em Educação Matemática pela UNIBAN-SP, psicopedagogo (UNIBAN-SP) e especialista em Sistemas de Informação. Atualmente é professor da UniRadial e da Uniban.
[3] O SOE tem como objetivo principal auxiliar o educando, individualmente ou em grupo, visando o desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade, levando-o a identificar suas potencialidades e limitações, adquirindo as habilidades necessárias ao processo decisório.
[4] O Instituto de Hospitalidade (IH) é uma fundação brasileira privada sem fins lucrativos, qualificada como organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), que gera e dissemina referências baseadas nas melhores práticas do turismo sustentável, promovendo a interlocução e a convergência das partes interessadas. Através da criação e implementação de projetos em todo o território nacional, o IH desenvolve soluções que visam a qualificação de pessoas, empreendimentos e destinos turísticos.



Larissa Batista



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